
Ainda me assusto quando ouço algum brasileiro falar que não gosta de filme nacional. Primeiro me pergunto o que essa pessoa pensa quando falamos de “filme nacional”. Será que ela acha que é um bloco único e conciso de filmes muito parecidos, como se fosse um único gênero do cinema? Digo isso porque há todo tipo de filme nacional. Há filmes bons e filmes ruins, há filmes antigos e recentes, há dramas, comédias, terror, há documentários e animações, e assim por diante. Exatamente tudo o que existe no cinema do resto do mundo. E quando penso numa obra como Terra Estrangeira, tão bem feita e relevante em vários sentidos, só consigo imaginar que, fosse esse um filme norte-americano, mas exatamente igual, com certeza teria mais acesso entre os fãs mais eventuais de cinema e seria mais reconhecido pela obra de arte que é. Esse maravilhoso filme de 1996 dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas é um marco do cinema brasileiro, muitas vezes considerado como um dos responsáveis pelo início do famoso período da Retomada da indústria cinematográfica no Brasil que aconteceu em meados dos anos 90.
Terra Estrangeira conta a história de Paco (vivido por um excelente Fernando Alves Pinto), um jovem que, com a morte da mãe e sem perspectivas de futuro no Brasil da era Collor, decide se mudar para Portugal levando consigo uma misteriosa encomenda. Em Lisboa, Paco acaba conhecendo uma brasileira, Alex (interpretada pela sempre incrível Fernanda Torres), com quem acaba de envolvendo romanticamente. Aos poucos eles percebem que estão cada vez mais mergulhados num perigoso esquema de contrabando que pode colocar suas já problemáticas vidas num risco ainda maior. Com uma direção magnífica e um roteiro bonito e honesto, Terra Estrangeira consegue capturar o zeitgeist do início pessimista dos anos 90 do no Brasil como poucos. Duro e impactante, o filme também é eficaz ao transpor para as telas a sensação de descolamento daqueles que abandonam seus países em busca de sonhos em outros lugares do mundo, muitas vezes se colocando em situações arriscadas e desesperadas. Claramente, as atuações de Fernando Alves Pinto e de Fernanda Torres ajudam muito a traduzir esse sentimento e fazem desse filme uma emocionante história de pertencimento (ou da falta dele). Filmado todo em preto e branco e com imagens belíssimas, o filme nos encanta também visualmente e algumas vezes tem a atmosfera de um sonho antigo, mas que ainda nos provoca e nos fascina.
Nota 10!
No momento, Terra Estrangeira (o último filme que eu vi nos cinemas antes da pandemia, na maravilhosa Cinemateca de São Paulo que corre tanto perigo atualmente) não está disponível nas plataformas oficiais de streaming ou de aluguel do Brasil, infelizmente.
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